Your browser is out-of-date!

Update your browser to view this website correctly. Update my browser now

×

Foto José Lorvão

"Falta-me ser Campeão Olímpico, vou lutar por esse sonho em 2021"

Por Sporting CP
03 maio, 2020

Jorge Fonseca em entrevista ao Jornal Sporting

Jorge Fonseca nasceu em São Tomé e Príncipe, veio para Portugal com 11 anos e foi na Damaia que, poucos anos depois, conheceu o judo. De ideias fixas, quis sempre ser o melhor e trabalhou no limite para se tornar Campeão do Mundo. Nem um cancro o deitou abaixo e o fez desistir do sonho que se tornou realidade em 2019

É inevitável não lhe perguntar como está a lidar com este isolamento social…
(risos) É a pergunta que agora se faz a toda a gente, não é? Estou a lidar bem e a aproveitar o tempo que agora tenho para estar em casa com os meus familiares e, sobretudo, com os meus filhos. Tenho treinado também, mas apenas o básico e, por isso, tenho saudades do tapete.

Por causa desta pandemia, que nos tem obrigado a estar confinados, também os Jogos Olímpicos (JO) já foram adiados. Como recebeu essa notícia? Tinha, e tem, objectivos bem claros para Tóquio…
O ouro é, e será sempre, o grande sonho e objectivo, mas atingir o pódio nos JO será sempre fantástico.

(…)
Quanto ao adiamento… admito que, inicialmente, foi uma espécie de choque porque já me estava a preparar há muito tempo para os jogos, mas consegui mudar o chip e aceitar a decisão até porque é, de facto, o que faz mais sentido. Neste momento não há condições.

E, depois de um ano em que foi Campeão do Mundo e reconquistou a Liga dos Campeões, além de tantas outras provas com sucesso, não terá sido, afinal, um adiamento positivo para o Jorge Fonseca?
Sim, por um lado sim. O que conquistei em 2019 foi incrível, mas também me desgastou muito física e psicologicamente. Por isso, talvez seja positivo para mim ter mais um ano para treinar e relativizar essa pressão.

2019 foi, até agora, o melhor ano da sua carreira?
Sem dúvida que sim, mas tive outros anos muito bons também.

2020 também ainda não está perdido, apesar de os JO terem sido adiados…
Não, não está. Por exemplo, o Campeonato Europeu individual, que se disputará em Novembro, ainda não foi adiado. O meu foco está no que aí vem. Vou trabalhar para lá chegar na máxima força e conquistar o melhor resultado possível. O meu objectivo passa por ser Campeão da Europa.

Pensa sempre no lugar mais alto do pódio, foi sempre assim?
Sempre tive os objectivos muito claros na minha cabeça, mas quando comecei no judo não imaginava que podia lutar por tanto e conquistar tudo aquilo que tenho conseguido.

Começou há quantos anos?
Há muitos anos, mas mais tarde do que é ‘normal’. Comecei aos 14 anos na Damaia. Na verdade, nunca tinha experimentado nenhum desporto a sério, tirando o futebol que jogava na escola, e o judo foi o chamado ‘amor à primeira vista’.

Lembra-se dos primeiros tempos?
Sim, comecei por ver os outros a praticar e depois o Pedro [Soares], que ainda hoje é o meu treinador, incentivou-me a praticar e a ficar na modalidade. Costuma começar-se aos 6/8 anos de idade e eu comecei mais tarde, por isso a aprendizagem foi mais difícil do que o normal, mas sempre tive muita vontade de aprender e o Pedro puxou muito por mim. Se não fosse ele, eu não era quem sou hoje. Também devo muito ao Sporting Clube de Portugal por ter apostado sempre em mim e garantido as melhores condições para estar sempre no topo.

Fez muitos sacrifícios ao longo da carreira?
Vários, mas não me arrependo. Consegui chegar onde queria e, mais importante do que isso, sempre tive o apoio da minha família que foi, e é, sempre quem sai mais penalizado disto tudo. Ausento-me muito
e durante muito tempo desde que o judo passou a ser a ‘sério’ na minha vida e é a minha família que sai prejudicada.

Cancro? Primeiro a negação, mas depois meti na cabeça que tinha de o enfrentar, lutar contra ele e vencer”

Ser atleta de alta competição exige muito e o Jorge Fonseca, para além de todos os sacrifícios, ainda teve de lutar contra um cancro na perna. Fala disso abertamente?
Sim, claro. Aconteceu e foi ultrapassado a todos os níveis e fez até com que desse mais valor a certas coisas.

Recorda-se do dia em que recebeu a notícia?
Sim, foi muito duro, tinha uns 20 e poucos anos, um filho pequeno para cuidar e os Jogos Olímpicos no horizonte. Os primeiros tempos foram de negação, só me perguntava ‘porquê eu?’, mas depois meti na cabeça que tinha de o enfrentar, lutar contra ele e vencer.

Teve medo?
Tive, mas sabia que teria cura. A minha mãe, o Pedro [Soares] e o meu filho deram-me uma força incrível. Acreditei sempre que ia dar a volta muito por causa deles. A ajuda deles foi fundamental para ultrapassar tudo.

O tratamento foi duro?
Foi e ainda me fazia pior à cabeça o facto de não poder treinar. A quimioterapia deitava-me muito abaixo e só uns dias depois dos tratamentos é que podia fazer algum exercício com a autorização do médico. Eu pedia-lhe para treinar a sério, e tentava, mas ele não me deixava e, na realidade, também não tinha forças para isso. Ainda assim, fiz o tratamento em seis meses quando o inicialmente previsto eram oito ou dez meses. A vontade de vencer era muita…

E venceu. Foi a maior vitória da sua vida?
Claro, até porque sem saúde não conseguimos fazer nada. O facto de o ter vencido permitiu-me continuar a fazer aquilo que mais gosto e a desfrutar dos meus filhos – que, entretanto, já são dois.

“Os meus filhos mudaram a minha vida para melhor”

Que idades é que eles têm?
O mais velho tem nove e o mais novo tem dois.

É um pai babado?
Sim, nem tenho palavras para descrever aquilo que eles representam para mim e o orgulho que tenho neles. Mudaram a minha vida para melhor e, sobretudo, o primeiro ajudou-me muito enquanto pessoa.

Porquê?
Porque o tive com 17 anos. Era muito novo e tive de me tornar responsável rapidamente porque ele dependia de mim.

Percebe-se que se emociona ao falar dos seus filhos. Podemos dizer, por isso, que o Jorge Fonseca não é assim tão duro quanto parece?
(risos) No que toca aos meus filhos sou mais sensível. Dou tudo por eles e se ele não estiverem bem eu também não estou. Os meus filhos são tudo para mim.

Que pai tenta ser para eles?
O mais presente possível, ainda que seja complicado, mas, acima de tudo, tento passar-lhes valores e fazer-lhes ver que a vida não é fácil. Tento ser um exemplo para eles.

Gostava que eles também fossem judocas?
O mais velho já pratica, mas prefiro que estudem e se formem e depois, se quiserem, mais à frente, pensem no judo. Eu também comecei mais tarde. Eles têm tempo ainda. Apoio-os em todas as escolhas, mas, acima de tudo, quero sejam melhores do que eu sobretudo naquilo em que eu não fui. Nos estudos, por exemplo.

“Sonho em ser polícia (…) A missão deles é proteger-nos a todos, e eu gosto de ajudar e proteger os outros”

Actualmente o Jorge Fonseca é apenas judoca, mas sempre sonhou com outra profissão…
Sim, ser polícia. Já me candidatei e agora estou à espera para saber se entro ou não.

Porquê polícia?
Sempre foi um sonho meu por causa da minha infância e adolescência. Como vivia em bairros sociais, por vezes com problemas, tudo ficava melhor quando a polícia chegava. Eles resolviam tudo, ou quase tudo. Por isso, eram uma espécie de heróis para mim. A missão deles é proteger-nos a todos, e eu gosto de ajudar e proteger os outros.

Ser polícia era um dos seus sonhos e poderá realizar-se em breve, ser Campeão do Mundo também era e já o concretizou. Há mais algum por cumprir?
Sim. Falta-me ser Campeão Olímpico, vou lutar por esse sonho em 2021.