Perfil de Naide Gomes, uma das mais medalhadas de sempre
Era um torneio escolar de salto em altura na escola que frequentava, na margem sul. Naide Gomes tinha 11 anos e dava, pela primeira vez, nas vistas pela sua habilidade natural para o atletismo. Usando o estilo tesoura – que consiste em fazer a aproximação à fasquia na diagonal, saltando primeiro com uma perna e só depois com o resto do corpo – Naide saltou 1,50 metros, superando, até, o rapaz mais alto da turma. O professor de Educação Física, abismado com o desempenho de uma menina que nunca tinha treinado, incentivou-a a ingressar no desporto escolar. Naide estava convencida que se tinha saído bem por influência de uma infância passada entre a natureza, em São Tomé e Príncipe. Todas as brincadeiras desaguavam na rua e ora Naide corria, ora subia às árvores, ora atravessava os rios. Aos dez anos, veio para Portugal, acompanhada da irmã, um ano mais velha, para estudarem e para se juntarem à mãe, que já tinha feito a travessia seis anos antes. Naide chegou a Portugal com a ideia que Lisboa cheirava a perfume e a rosas. “Havia uma loja portuguesa de rebuçados em São Tomé e cheirava maravilhosamente bem. Por alguma razão, associei aquele cheiro a Lisboa. Mas quando cheguei, percebi que não era assim. Passei por algumas zonas que cheiravam a esgoto e foi uma desilusão”, conta a atleta que, nos primeiros tempos, estranhou Portugal. “Fui bem acolhida, mas vinha de uma cultura diferente. Via coisas na escola que me deixavam perplexa, como os alunos a responderem mal aos professores ou a dizerem asneiras. Em São Tomé, se fizessemos isso, levávamos uma sova”, lembra. Naide seguiu o conselho do seu professor de Educação Física e abraçou o atletismo. Mas dois meses depois, teve um dissabor: quatro negativas na escola. “Só chorava. Nunca tinha tido negativas e achava que a minha mãe me ia tirar do atletismo, mas ela disse-me que, se recuperasse, não acontecia nada”. Estudou madrugada fora, subiu as notas e nunca mais teve negativas – evidenciando a disciplina e a determinação que pautariam, também, a sua carreira. O dia em que Fernanda Ribeiro ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, em 1996, mudou a vida de Naide. “Fiquei até às quatro da manhã a dormir no sofá, para ver pela televisão. Quando ela ganhou, disse à minha mãe que um dia seria como ela”. Para lá chegar, passou pelo Clamo, Ginásio do Sul, Belenenses e JOMA, antes de chegar ao Sporting, em 1998, ainda júnior. “Tinha o sonho de representar o Sporting. Lembro-me de ver equipas fantásticas de atletismo no Clube, ainda criança. Além disso, adorava o Figo, até chorava pelo futebol. Mas não queria oferecer-me ao Sporting, queria chegar lá por mérito próprio. Quando o professor Moniz Pereira viu o meu talento, pelas marcas que tinha alcançado, e me fez o convite, aceitei na mesma hora”, lembra a atleta que, embora se tenha celebrizado no salto em comprimento, nunca deixou os créditos por mãos alheias noutras disciplinas – foi campeã nacional de heptatlo e campeã mundial de pentatlo, por exemplo, estabelecendo recordes em quase todas as disciplinas. 2000 foi o ano de viragem. A participação nos Jogos Olímpicos, ainda em representação de São Tomé (a nacionalidade portuguesa viria, apenas, no ano seguinte) mudou-lhe o destino. “Quando vi, pessoalmente, a Fernanda Ribeiro a ganhar medalhas e convivi com os atletas, percebi que queria pertencer àquela elite”. Apostou ferozmente nesta meta, passando a fazer treinos bi-diários. Em pouco tempo, o esforço deu frutos: bateu três recordes (salto em comprimento, salto em altura e pentatlo) e, em Março de 2002, conquistou o primeiro título internacional, a prata no Europeu de Pista Coberta, em pentatlo, na sua estreia pela Selecção Nacional. Um título que acrescentou ao vasto currículo nacional – Naide soma, até hoje, 23 Campeonatos de Portugal (17 de salto em comprimento, três de salto em altura, dois de 100 metros barreiras e um de heptatlo) – e às três participações nos Jogos Olímpicos (2000, 2004 e 2008). Sete é o seu número favorito. Não só porque era aquele que Figo carregava às costas, como era a marca que idealizava ultrapassar no salto em comprimento. O que aconteceria em Julho de 2007, no Mónaco – onde Naide levou o máximo nacional aos 7,12 metros. Se 2000 foi o ano de viragem, 2012 foi o de abrandamento. Quando já via os Jogos Olímpicos de Londres mais perto, sofreu uma ruptura completa do tendão de Aquiles. Foi o início de um longo calvário que culminou com três operações ao mesmo pé – a última das quais a 3 de Abril deste ano. “Estou a treinar, mas com dores, por isso estou a 50%”. Ainda assim, e com os 35 anos completados hoje, Naide resiste. “Vou continuar a lutar para terminar a carreira como sempre quis, a competir – o que, espero, possa acontecer no próximo ano. Enquanto puder não desisto. O atletismo é o meu filho. Quando se faz o que se ama arranja-se forças para lutar”. Já preparando o período para além da carreira, Naide concluiu a licenciatura em Fisioterapia – cuja paixão lhe chegou durante a sua recuperação – e acabou de assinar contrato pelo Sporting, como fisioterapeuta. Paralelamente, está a tirar o primeiro grau do curso de treinador. “Quero transmitir a minha experiência e formar campeões como eu. Mas não vai ser fácil. Para chegar a este nível, é precisa muita disciplina. E paixão”.