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A valorização da “Marca Futebol”

Por Miguel Cal*
15 Jun, 2019

Nós falamos de futebol a toda a hora, é um tema que ocupa horas e horas no espaço televisivo e que é ‘vivido’ de forma intensa por milhões. No entanto, há uma preocupação sempre presente na cabeça de todos os gestores de topo dos clubes de futebol que é algo do género: “como podemos de facto tirar partido do nosso peso social e de marca e atingirmos outro patamar económico?” É que os clubes não passam de ‘grandes empresas pequenas’… mesmo o FC Barcelona ou Manchester United FC são pequenos do ponto de vista económico no seu país.

Não há uma resposta única para esta questão e existem diversas alíneas para cada uma. Neste artigo vou debruçar-me sobre a mais básica de todas e por onde tudo deveria começar – valorizar a “Marca Futebol”. É particularmente importante porque ao fazê-lo abriremos muitas outras portas que nos ajudarão na questão inicial; porque exige um esforço conjunto em que todos beneficiamos; e também porque em Portugal estamos ainda muito longe do aceitável.

Abertura de oportunidades para os clubes portugueses

O valor do futebol é indubitavelmente alto. A nível nacional, os dez programas de TV com maior audiência em 2019 são referentes ao futebol (imagem 1) – de notar que o Sporting Clube de Portugal está presente em quatro deles e que Cristiano Ronaldo surge nos outros três – e são uma alavanca emocional que todas as marcas desejariam ter. Com a âncora emocional e o interesse que os clubes suscitam, a oportunidade de criação de valor através de patrocínios ou de parcerias é infinitamente superior ao que se consegue hoje. O futebol tem o potencial de ser o elemento-chave na escolha das marcas dos seus adeptos.

No entanto, e apesar de toda a paixão que move, existe um número crescente de empresas e indústrias que fogem do futebol português como potenciais patrocinadores. Porquê?

Na minha opinião existem duas razões: por um lado, porque os clubes em Portugal fomentam as emoções negativas ligadas à grande paixão que os adeptos sentem (ver em baixo), o que significa que as marcas ou se unem a todos ou correm o risco de serem rejeitadas pelos adeptos das equipas que não apoiam; por outro lado gravita no futebol uma imagem de falta de ética e corrupção que o desvaloriza fortemente. Vale tudo para ganhar, e quando assim é, todos perdem.

Todos têm de contribuir e todos beneficiam

Valorizar a “Marca Futebol” é um esforço conjunto que beneficia todos. Termos sucesso implica necessariamente que todos se fortaleçam.

Ter clubes com um modelo económico muito frágil, com poucos espectadores e dependentes de receitas de transferências, é o caminho da não valorização. Portanto, é necessário mudar o paradigma e o melhor exemplo no futebol mundial do que deve ser uma liga é Inglaterra, onde os maiores acederam a contribuir para o desenvolvimento dos mais pequenos e com isso beneficiaram todos. Um campeonato mais competitivo e com maior qualidade irá também aumentar o nível dos grandes clubes, que assim estarão mais preparados para enfrentarem os congéneres europeus (quem foram os quatro finalistas das competições europeias?). Também operar em conjunto em alguns elementos estruturais como parcerias ou negociações irá aumentar o poder negocial dos clubes como um todo e com isso conseguir melhores resultados e criar mais valor.

“Marca Futebol” tem muito para crescer em Portugal

O futebol português não tem sido devidamente valorizado pelos seus intervenientes. Isto porque se vive num clima de winner takes all, o que significa que se tenta tudo para ficar em primeiro, mesmo que isso implique ‘secar’ tudo à volta. Os três grandes têm um peso e uma responsabilidade cabal nesta situação e é a sua postura que conduz o nosso futebol.

Todos sabem que os três grandes são de longe os maiores actores do futebol nacional. Têm muito mais adeptos, são os responsáveis pelas gerações brilhantes da nossa selecção e os crónicos candidatos às vitórias. Para ajudar a perceber a dimensão do fenómeno, basta analisar as assistências nos estádios (imagem 2). A diferença entre os três grandes jogarem ou não é gritante e apenas um clube em Portugal consegue ter em casa mais de 15 mil espectadores nos jogos sem os grandes, o Vitória SC [Guimarães]. Isto coloca óbvios entraves ao desenvolvimento dos clubes pequenos, que não têm adeptos a viverem o seu clube. Assim, como poderão ser competitivos? Os direitos televisivos poderiam ser a solução, mas mais uma vez os três grandes, na ânsia de obterem uma vantagem competitiva, negociaram os seus direitos individualmente e fizeram de Portugal o país com o maior fosso nos valores dos direitos televisivos da Europa – indicador analisado por entidades estrangeiras como sendo a pior prática mundial (imagem 3).

Finalmente, o clima que se vive no futebol português fica frequentemente tóxico e este ano foi pródigo nessa temática, com um sem fim de comentários e manchetes que desvalorizam o futebol português semanalmente, perpetrado por SL Benfica e FC Porto, que alimentam polémicas, e que criticam constantemente a arbitragem e as instituições do futebol, que devem ser respeitadas. Este ano foi ‘apenas’ a continuação dos anos anteriores, onde a comunicação bélica foi continuadamente utilizada como arma de propaganda (imagem 4). Esta postura não só prejudica o valor do futebol como empola os comportamentos desviantes de adeptos radicais, algo que deveria desaparecer do nosso futebol. Será que queremos mesmo ser coniventes com adeptos que celebram o assassinato de outros nos nossos recintos? Que obrigam os jogadores a curvarem-se perante a curva depois de um jogo? Que depois de um jogo em casa visitam as instalações dos adversários para ameaçarem atletas? Que invadem o centro de treinos e agridem atletas? Metermos a cabeça debaixo da areia e fingir que isto não acontece e que não temos responsabilidade, ou pior ainda, tecer comunicados a defender quem tem estes comportamentos é não ter coragem.

Ou seja, o futebol português poderia ser muito mais do que é hoje. Os clubes pequenos poderiam ser maiores, mais fortes e mais competitivos, o que aumentaria a qualidade do futebol e consequentemente o interesse de espectadores e a performance europeia. E o ambiente poderia e deveria ser muito mais positivo do que é hoje.

Como podemos valorizar a “Marca Futebol”?

Como é usual nos artigos que escrevo gosto de deixar um conjunto de ideias para responder às questões que coloco – espero que aproveitem mais do que a cerveja nos estádios desta vez… Para melhorar a “Marca Futebol” estes foram os pontos que sugeri à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) numa discussão recente:

Melhorar o ambiente instalado

Melhor ambiente para que a emoção seja positiva e penalizar fortemente quem não respeita os actores do futebol nacional – outros clubes, árbitros ou instituições. O quadro disciplinar deveria ser tal que os prevaricadores regulares deveriam ser expulsos da indústria. Zero tolerância a adeptos com comportamentos inaceitáveis. Não há lugar para pedidos de exclusão de determinados árbitros ou a posts de Facebook ridículos. Zero suspeição não implica zero erros, em Inglaterra os árbitros falham e muito, a diferença é que lá não se lançam suspeitas;

Maior equilíbrio na partilha dos resultados económicos

Para termos mais espectáculo e menores fragilidades é necessário investir nos clubes mais pequenos. Como tal, deveria haver uma maior partilha da riqueza criada, inclusive na negociação dos direitos televisivos. Os clubes deveriam também negociar em conjunto de forma a terem uma maior presença económica na sociedade, os clubes grandes, que já o fazem individualmente no seu programa de sócios, poderiam ajudar os outros a entrarem também. Por outro lado, existe um potencial de partilha de know how e investimentos de gestão que os clubes pequenos têm dificuldade em fazer, nomeadamente a transformação digital que permite uma melhor interacção com adeptos. Hoje existem grupos de trabalho que trocam práticas, mas podíamos ir mais longe, através da FPF ou Liga Portugal e os investimentos poderiam ser partilhados. Finalmente, porque não seguir o modelo holandês e partilhar parte das receitas da UEFA com os demais? Um sinal claro que o sucesso de uns é o sucesso de todos.

Presença mais abrangente na vida dos portugueses

O futebol é festa e deve ser visto pelo máximo de pessoas possível. Em Portugal está fechado numa caixa, que é cara, e que normalmente acontece em horários que dificultam o acesso às famílias. Deveriam haver mais jogos em canal aberto, a horas melhores e pacotes premium mais baratos. Há umas semanas tivemos a final da taça de Portugal e a festa antes do jogo foi um espectáculo lindo, cheio de crianças e adeptos em comunhão. Celebrava-se o futebol, cantou-se em uníssono, a terra tremia debaixo dos nossos pés e o pó envolvia-nos, mas as gargantas nunca secaram. Adeptos do FC Porto e do Sporting CP misturavam-se nas ruas do estádio do Jamor e a RTP teve as maiores audiências do ano. Isto é o que o futebol deveria ser.

Conclusão

O futebol português tem um potencial tremendo. O Sporting CP segue o seu caminho dentro dos parâmetros descritos acima. Nós definimos uma conduta clara no que acreditamos ser o caminho que acrescenta mais valor ao futebol português.

Para já, com esta postura, beneficiamos do interesse que a nossa gestão suscita junto de empresas, instituições e clubes de todo o mundo, que querem sentar-se connosco, ouvir-nos e apresentarem propostas. Como tal, estamos muito confiantes no nosso sucesso. Mas queremos que o sucesso seja partilhado porque acreditamos que uma “Marca Futebol Português” mais forte nos irá beneficiar também. Derek Sivers tem uma apresentação interessante sobre como começar um movimento, é algo que nós iniciámos, mas que agora é necessário que outros se juntem e que [as instituições] tenham coragem.

Este ano perdemos, empatámos e ganhámos com os outros dois grandes, mas não ocupámos manchetes com críticas em caso algum (apenas pedimos coragem). Os nossos adversários quando perderam? Bem, tentem descobrir na imagem 4, se conseguirem...

PS 1 – Curiosidade: quando o jogo da final da Taça terminou 1,4 milhões de pessoas mudaram de canal (provavelmente não Sportinguistas) enquanto que 2,5 milhões de Sportinguistas celebraram a conquista da taça à frente da TV num ‘especial’ dedicado à vitória do Sporting CP. Durante esse programa, os Sportinguistas representaram 50% da população portuguesa à frente da TV. Grandes.

PS 2 – Este domingo vencemos a Holanda com seis jogadores ligados ao Sporting CP na equipa que jogou. Algumas curiosidades:

- Em 2018/2019 a média de espectadores na primeira divisão holandesa foi de 17 964 vs. 11 639 em Portugal. Ou seja, no total da competição de 306 jogos, Portugal teve menos dois milhões de espectadores nos estádios (111 jogos em Portugal tiveram menos de três mil espectadores!);

- Na Holanda apenas quatro equipas em 18 tiveram uma média inferior a dez mil espectadores na época passada. Em Portugal foram 13 em 18; O IVA aplicado ao futebol na Holanda tem taxa mínima (6%) e em Portugal máxima (23%);

- Na Holanda os espectadores podem beber cerveja e assistir ao jogo, mesmo dentro da caixa de segurança do clube adversário. A primeira divisão holandesa é disputada, na sua esmagadora maioria, em dois dias apenas (sábado e domingo, com o jogo mais tardio a ser iniciado ao domingo, às 15h45). Em Portugal joga-se, em regra, em quatro dias (de sexta a segunda-feira) com horários nocturnos;

- Nos primeiros anos do futebol holandês, o campeão nacional era encontrado em sistema de eliminatórias entre os vários campeões regionais. Todos esses títulos são reconhecidos. Em Portugal, que tem exactamente o mesmo modelo competitivo, não se reconhecem os 17 vencedores do Campeonato de Portugal entre 1922 e 1938.

* administrador da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD