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O início de uma nova era

Por Rodrigo Pais de Almeida
07 maio, 2021

(...) não é preciso pisar ninguém para afirmar o que se pensa e como se pensa

Nos dois jogos desta semana a equipa liderada por Rúben Amorim derrotou pelo mesmo resultado ambos os adversários, os quais exigiram abordagens e opções de jogo muito díspares para se atingir as ambicionadas vitórias, tendo o nosso jovem treinador mostrado toda a sua capacidade de análise dos momentos do jogo e dos seus jogadores.

O CD Nacional entrou em Alvalade com uma defesa muito junta e com muitos elementos, num estilo de jogo em que os níveis de agressividade foram muito para além do que as leis do jogo permitem, não tendo a equipa de arbitragem sabido gerir essa abordagem, ao beneficiar quase sempre o infractor. O intervalo chegava com 21 faltas para a equipa forasteira contra quatro dos nossos Leões. Escrevo 21, mas apenas 19 foram assinaladas. Dois lances que se enquadravam perfeitamente no protocolo do VAR, e que escaparam à visão do árbitro de campo, foram omitidos. Qualquer um deles levaria a equipa do Sporting Clube de Portugal para a marca do pontapé de penálti (e um deles com o indubitável cartão vermelho para o agressor).

Mas a equipa não tremeu perante estas omissões. Rúben Amorim começou a mexer nos seus “soldados” e a dotar a equipa de mais frescura e de mais ritmo. A pressão da primeira linha defensiva e uma construção de jogo sapiente, com critério, e sem se deixar incomodar pelo avançar do tempo de jogo permitiram a Jovane Cabral desbloquear um jogo que só podia acabar com os três pontos amealhados, dada a superioridade da nossa equipa.

Em Vila do Conde morava um adversário a precisar também ele de pontos para respirar na tabela, mas com uma ideia de jogo completamente oposta à do anterior. Com intérpretes de muita valia técnica e habituados a pisar palcos de maior relevância, Miguel Cardoso abordava o líder da Liga NOS com a sua tentativa de futebol positivo, de construção a partir do seu guarda-redes por forma a que a posse de bola chegasse ao seu trio de meio-campo de qualidade (Guga, Filipe Augusto e Chico Geraldes), que em superioridade poderiam gerir e esperar pelas entradas dos elementos mais rápidos nas costas da usual linha defensiva de três homens de Rúben Amorim.

A ideia era boa, mas não resultou. E não resultou por enorme mérito da equipa do Sporting CP. O jogo começou com muita velocidade e rotação de ambas as equipas, mas cedo se percebeu que a equipa Leonina vinha ao reduto Vilacondense para se afirmar e não para deixar andar e ver o que dava o jogo. Rapidamente se apoderou da posse de bola com uma pressão desenfreada no momento de perda da mesma, ou quando o adversário pretendia sair a jogar. Conquistou muitas bolas no último terço de ataque, obrigou o adversário a recorrer à falta, ao pontapé de canto e encostou-o completamente às cordas. Não fosse o poste esquerdo por duas vezes e Kieszek noutras duas ocasiões e na primeira meia hora o jogo estaria resolvido. O golo de Pedro Gonçalves trouxe alguma justiça ao resultado ao intervalo, ainda que pecasse por escasso.

Mexeu bem a equipa do Rio Ave FC com a entrada do velocista Carlos Mané, conseguindo algum domínio territorial nos primeiros oito minutos da segunda parte. Mostrando novamente que não olha para o relógio nem tem substituições no “chip pré-match”, Rúben Amorim logo aos nove minutos da segunda parte coloca em campo Matheus Nunes no lugar de Nuno Santos. Com esta mexida reequilibrou a equipa e não mais se viu o Rio Ave FC, arrancando a equipa do Sporting CP para uns últimos trinta minutos de jogo com um brilhantismo ao nível de toda a primeira parte.

Com uma equipa equilibrada e com uma organização defensiva que lhe permite ser a defesa menos batida da Europa saltaram à vista três exibições de uma qualidade absurda. Sebastián Coates, o nosso capitão, que continua a liderar esta equipa em campo de forma imperial e com uma classe que já não o deverá afastar de MVP da Liga NOS. João Palhinha, que tanto melhorou no processo ofensivo e de construção da equipa, permitindo-lhe ser o pivô da mesma e libertar João Mário para funções mais criativas, e que continua a mostrar uma disponibilidade infindável para o jogo em todos os momentos. Ele pressiona, ele tira bolas ao adversário, ele condiciona todas as efémeras tentativas de contragolpe. Mas depois consegue também equilibrar no ataque, sair a jogar com qualidade e profundidade. E, por fim, Paulinho. Que jogo fez o nosso camisola 21. Um golo que tem tanto de merecido como de bonito para calar as vozes que já começavam a entoar e a criar um ruído tão próprio do passado recente do nosso Clube que tanto talento já limitou e castrou. Paulinho é um verdadeiro jogador de equipa. Ele é o primeiro defensor o que, sendo ele avançado, é nota de grande sacrifício pelo bem comum da equipa. Ele vem atrás dar “engodo” aos defesas para os arrastar e criar espaços na frente para os colegas. Paulinho consegue jogar a um toque, a dois toques, com ambos os pés, mas também conduzir a bola com mestria e sem a perder, dando tempo e espaço para chegarem apoios ou para libertar a pressão do sector intermédio. Bem sabemos que os avançados vivem de golos, e Paulinho vai fazer muitos e bonitos com a verde e branca ao peito, mas arrisco-me a dizer que este avançado vive para a equipa!

Duas notas finais. A primeira para a conquista da segunda Liga dos Campeões de futsal pela equipa liderada por Nuno Dias e Paulo Luís, que vem engrandecer ainda mais o Museu do Sporting.

Mas o Sporting CP não conquistou “só” a Liga dos Campeões de Futsal. O Sporting CP conquistou o mais importante troféu de clubes da modalidade perante o melhor, mais caro e valioso plantel do mundo: o FC Barcelona, que era o vencedor da competição em título. O Sporting CP afastou dessa final “apenas” o campeão russo e o campeão espanhol. O Sporting CP fez a remontada de um 0-2 ao intervalo para um 4-3 final. E o Sporting CP fez tudo isto com nove jogadores formados no Clube, seis deles com idades até aos 22 anos (dois ainda com idade de juniores).

Por tudo isto, na minha opinião, que me perdoem todos os outros que engrandeceram com todo o brilhantismo o Museu Sporting, estamos perante a maior e mais épica conquista de uma modalidade do Clube e que enaltece os seus valores e ideais. Conquistada com o ESFORÇO de toda uma estrutura que vai do Treinador, Jogadores até ao Roupeiro. Com a DEDICAÇÃO de todos os que contribuíram para um trabalho realizado nos últimos 15 anos na formação do Clube e que lhe permite ter trinta e quatro jogadores formados no Clube na principal Liga Nacional. Com a DEVOÇÃO de um plantel identificado com o Clube, com os dirigentes e com os seus Treinadores. Que conquistou a GLÓRIA virando mais uma página épica e inesquecível para todos os Sócios e adeptos do Sporting Clube de Portugal.

A última nota vai para a fundamental entrada directa na Liga dos Campeões da equipa profissional de futebol. Este era um objectivo que muitos diziam inalcançável e que esta equipa atinge, com todo o mérito, a três jornadas do final da Liga NOS. Chegar à mais importante prova de clubes em termos mundiais permite, para além de um encaixe financeiro mínimo garantido que possibilita continuar a construir de uma forma sólida e robusta o futuro do Clube, colocar o Sporting CP na primeira linha do mapa Europeu de clubes.

E conseguiu-o com: i) uma equipa formada maioritariamente na sua Academia; ii) com uma média de idades que permite olhar o futuro com toda a confiança; iii) com a defesa menos batida da Europa; iv) com um treinador jovem, irreverente e ambicioso; v) recolocando na sua lista de prioridades os valores de decência, integridade e os ideais olímpicos de desportivismo e leal espírito competitivo dos seus fundadores; vi) sem ceder a pressões externas que tentaram colocar obstáculos no seu caminho; vii) mas  também às pressões “internas” que continuam a perseguir as suas agendas próprias com inversões e inflexões constantes de discurso entre o apoio para entreter as redes sociais, e a crítica absurda ilustrativa da sua falsa modéstia nos momentos bons e da sua tentativa de aproveitamento nos momentos maus.

Atingir o sucesso, tendo de percorrer este caminho com todas estas curvas e obstáculos, é uma pedrada no charco no nosso Portugal. Numa modalidade como o futebol onde reinou durante décadas a impunidade, a canalhice, a bandidagem e a falta de decência, este percurso marca com toda a certeza um momento de viragem e início de uma nova era. De um Clube afirmativo e sem medos. Que busca dia-a-dia, com confiança, a sua felicidade e a dos seus. Que vai com tudo e com todos. É a demonstração clara de que não vale tudo para ganhar. Que não é preciso pisar ninguém para afirmar o que se pensa e como se pensa. É acima de tudo o vencer de uma nova mentalidade no Desporto Português!