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La Piovra

Por Jornal Sporting
11 Jan, 2018

Editorial do Director do Jornal Sporting na edição n.º 3658

Com o inverno que tardava em chegar finalmente a instalar-se, nada como ficar no aconchego do lar a reviver alguns filmes e séries que fizeram furor na minha juventude. Claro que eventuais semelhanças com o que se passa hoje na sociedade e no nosso futebol, só poderá ser mesmo uma infeliz coincidência. A transparência, honorabilidade e verdade desportiva que os casos que nos vão sendo dados a conhecer, atestam e comprovam que temos, actualmente, um futebol e protagonistas impolutos e imaculados.

Feito este introito, falemos da série que revisitei e me prendeu compulsivamente ao ecrã, La Piovra. Produzida pela RAI, marcou o nosso espaço televisivo entre a segunda metade dos anos 1980 e os anos 1990. Esta série policial, com um enredo intenso, mostrava-nos como a Máfia controlava o crime em Itália nas décadas de 1970 e 1980.

O protagonista, como muitos se lembrarão, era o comissário Corrado Cattani, soberbamente interpretado por Michele Plácido. O argumento tinha por base a realidade e mostrava-nos que a forma como a Máfia se organizava se assemelhava a um polvo, em que os seus tentáculos eram constituídos por seres perigosos e sem escrúpulos, que em nada tinham a ver com a branqueada imagem de homens de honra que outras séries nos quiseram vender. Estes tentáculos apresentavam-se de forma transversal na sociedade, ao ponto de um simples crime não o ser de facto, mas sim algo bem mais complexo, quase sempre correlacionado com uma sucessão de crimes em catadupa que envolviam assassinatos, tráfico de droga, corrupção, tráfico de influências, tráfico de armas aos quais não podia faltar o branqueamento de capitais com fluxos de dinheiro que envolviam o Estado e os bancos.  

A coragem de Corrado Cattani é uma constante, num exercício permanente em que demonstra toda a sua força e resiliência, numa luta titânica e isolada face a um polvo com armadilhas e poderes ocultos, até encontrar a juíza Sílvia Conti, excelentemente interpretada por Patrícia Milardet, e que estoicamente a ele se alia no combate ao crime organizado.

Interrompi, por momentos, a revisitação desta série para fazer um breve zapping na TV e percorrer alguns programas de desporto que estavam a ser transmitidos. No primeiro em que tropecei falava-se de vouchers, cartilhas, e-mails e fazia-se eco das mais estrondosas revelações com indícios dos crimes de tráfico de influências e de corrupção com pretenso aliciamento e eventual suborno a jornalistas. A notícia apresenta-se, nesta reportagem, mais como uma Janela escancarada para o submundo, do que propriamente aberta para o mundo.  

Mudo de canal e o tema eram as claques ilegais e os seus assassinatos, tráfico de droga e de armas, pelo que primo novamente o comando e páro confrontado por um novo tema à volta do G3 mas, não se tratava da arma com que disparei quando me encontrava no serviço militar obrigatório, sim aquele que está relacionado com o G15 - 3 que também tem balas, só que no caso “cada tiro, cada melro”! 

Continuei, sem mudar de canal, e aparece-me um enredo relacionado com um “testa-de-ferro” que defende indefectivelmente o seu guru, sendo, nesta caminhada, acompanhado por fiéis seguidores que se revelam distraídos ou ingénuos. Esta história prendeu-me um pouco mais a atenção, até que começa a ser desvendada uma maquiavélica trama em que o guru usa e abusa das marionetas. Como isto do zapping é compulsivo, pimba, volto a mudar de canal. As notícias são sobre trocas de fretes, empurrões e favorzinhos fiscais. As notícias continuam, mas o tema agora são fluxos de dinheiro que envolvem Estado e bancos, dividas e perdões fiscais, com o desgraçado do contribuinte a ter que aguentar. Estava concentrado no écran quando, de repente, sou interrompido pelo meu filho que me questiona: “Pai, ainda estás a ver o Polvo”?

“Hum…”, murmurei. Fui surpreendido com a sua presença e com a pergunta inusitada que, na verdade, me deixou confuso. Ao tentar racionalizar o que me fora perguntado, olho para o relógio e vejo o adiantado da hora. Era de facto tarde e todo aquele enredo poderia vir a provocar-me insónias e pesadelos, pelo que decidi apagar a televisão e ir dormir.

Utilizando uma expressão muito em voga actualmente, agora off-topic. Um amigo, descontraidamente e salvo as devidas distâncias, dizia-me há dias que o Presidente Bruno de Carvalho lhe fazia lembrar Cattani, mas que na sua luta pela transparência, verdade desportiva e dignificação do futebol português, ainda não tinha encontrado a juíza Sílvia Conti, um aliado de peso, com poder e legitimidade, para o acompanhar nesta luta para que, nos locais próprios, se possa fazer justiça, como determina um estado de direito e democrático.

Boa leitura!