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Segundos que decidem um título

Por Miguel Braga*
04 Jun, 2021

(...) O norte‑americano fez o derradeiro lançamento, mas há todo um grupo de pessoas que está de parabéns, que sabe, melhor do que ninguém, o caminho percorrido para chegar até aqui

Uma das belezas do Desporto são as vitórias arrancadas a ferros. Aquele último esforço, aqueles últimos segundos de uma competição, que decidem pontos, jogos, vitórias e, por vezes, campeonatos. Como exemplo poderíamos falar do corredor que ultrapassa o adversário nos últimos metros por 0,05 segundos, daquele que salta mais um centímetro do que o outro na derradeira tentativa, do golo de Miguel Garcia contra o Az Alkmaar ou dos cinco segundos finais do último jogo do Campeonato Nacional de basquetebol, também conhecido por Liga Placard, que colocou frente‑a‑frente o Sporting CP e o FC Porto. Uma jogada defensiva para evitar a derrota acabou em falta atacante evidente e inequívoca sobre Micah Downs. O norte‑americano fez o derradeiro lançamento, mas há todo um grupo de pessoas que está de parabéns, que sabe, melhor do que ninguém, o caminho percorrido para chegar até aqui. A entrevista no pós‑jogo a Miguel Afonso é uma belíssima explicação do que é um projecto, uma fé, um amor e dedicação ímpares ao Clube, de um todo, staff oficial e não só, de Luís Magalhães, de José Tavares, de António Paulo e Flávio Nascimento, de Travante a Diogo Ventura, de João Fernandes a James Ellisor, a todos os jogadores, ao Edgar e ao Juvenal, a todos os que acompanham no Pavilhão João Rocha o dia‑a‑dia da equipa, a todos os adeptos que ao longe continuaram a apoiar e aos que festejaram in loco mais uma vitória para a história Leonina.

Mas o Desporto tem sempre os dois lados da medalha, quem ganha e, inevitavelmente, quem perde. Este ano de 2021 revelou um mau perder transversal do FC Porto assente numa narrativa bélica contra as arbitragens, pressionando e condicionando o futuro, seja dentro ou fora de campo, nesta e noutras modalidades. Ao longo do ano futebolístico essa foi uma das formas de agir e os exemplos são conhecidos por todos. Porém, não se limitaram à Liga NOS ou à Taça da Liga.

Veja‑se a equipa B do FC Porto: em Janeiro era “a nossa equipa bem pode queixar‑se, mais uma vez, dos erros alheios que determinaram a perda de pontos. Foi mais do mesmo”; em Fevereiro: “Estão a brincar com o trabalho dos jogadores, treinadores e staff. Foi um golpe duro, ninguém percebeu a expulsão, só o árbitro percebeu”; em Março: “Não são os adversários que têm tirado pontos ao FC Porto B, têm sido os árbitros”; em Abril, a culpa recaía numa “decisão muito polémica da equipa de arbitragem”.

Também a final da Liga Europeia de hóquei em patins ficou marcada por declarações do mesmo género. “Ainda não foi desta que o FC Porto voltou a conquistar a Liga Europeia de hóquei em patins. Na final disputada no Pavilhão Gimnodesportivo do Luso, os Dragões perderam diante do Sporting por 4‑3, após prolongamento, mas o trabalho da equipa de arbitragem espanhola teve muito que se lhe diga”. Todas estas citações ou são de responsáveis, jogadores, newsletters ou afins das equipas azuis e brancas.

Regressando ao basquetebol, não bastaram as imagens dos pontapés às cadeiras, não bastou danificar o troféu do vencedor ou rodear o árbitro – será que estes actos vão ter consequências à altura? De “foi das maiores roubalheiras a que assisti. Uma roubalheira monumental”, a “foi a maior vergonha que vi em toda a minha vida! Peço desculpa a todos os que gostam de basket e de desporto pelo que acabaram de assistir! Hoje gozaram connosco e com o trabalho de uma época inteira”, ou “foi um título sonegado às claras num resultado fortemente influenciado pelo árbitro Carlos Santos”, de tudo se queixaram os azuis e brancos, ameaçando até, imagine‑se, abandonar a modalidade. A forma e o conteúdo são o mesmo e é transversal. A culpa, se não ganham, é sempre das arbitragens. Mérito dos outros é que não.


* Responsável de Comunicação Sporting Clube de Portugal