As recordações de Carlos Pereira, antigo jogador do Sporting (e mais tarde treinador) que passou 15 anos sem ser castigado.
Carlos Pereira conhece o Sporting como poucos. Enquanto jogador, esteve ao serviço do nosso Clube durante 13 anos e como treinador, trabalhou na formação «leonina» e foi adjunto de Paulo Bento na equipa técnica da formação principal, entre Outubro de 2005 e Novembro de 2009. Treinou ainda o Belenenses e o Alverca.
Irmão de Aurélio Pereira, principal responsável pelo Departamento de Recrutamento do Sporting, viu a sua dedicação aos «leões» reconhecida em 2008, ano em que lhe foi atribuído o Prémio Stromp, na categoria Especial.
“A minha chegada ao Sporting, quando tinha 13 anos, surgiu da forma habitual aos miúdos daquela altura: sabíamos das datas dos treinos de captações e lá íamos nós mostrar-nos aos treinadores... O meu irmão já lá estava e eu queria seguir-lhe os passos. Juntei-me ao pé da porta 10-A com muitos outros rapazes e fui escolhido essencialmente devido à minha altura, pois era dos mais altos, embora naturalmente aliado a alguma habilidade. E quem fez a selecção foi nem mais nem menos do que o grande José Travassos”, recorda.
Na altura, o jovem Carlos estava longe de imaginar que anos mais tarde iria tornar-se futebolista profissional. “O nosso pai deu-nos uma educação muito rígida e sempre nos transmitiu a ideia que o mais importante era a escola. Confesso que nunca pensei que ele nos desse autorização para jogar no Sporting”, confessa.
Mas afinal como foi possível convencer o severo senhor Pereira? “Tivemos a sorte de termos um tio que era um grande sportinguista que ficou uns dias na nossa casa, coincidindo com os nossos treinos de captação. Ele acabou por convencer o meu pai, que nos concedeu autorização para jogarmos no Sporting”, explica.
Carlos Pereira foi progredindo nos escalões jovens do Sporting e passou a sénior em 1968/69, ao serviço da equipa de reservas, onde esteve mais uma época. Actuou ainda pelo União de Tomar e com 23 anos cumpriu o sonho de ascender à principal equipa «leonina».
Foi uma progressão paciente mas bem calculada. “Fui sendo preparado para ser o substituto do Hilário, pois ele foi cimentando a ideia de se retirar e por isso até recusei um convite para jogar na Académica, onde poderia conjugar o futebol com os estudos na Universidade. Mas fiquei com ligação ao Sporting, que me cedeu uma época ao União de Tomar. Regressei e fui lançado pelo treinador Ronnie Allen como substituto do Hilário”, lembra.
De resto, Hilário foi alguém muito importante na sua carreira. “Tenho enorme estima por ele, é como se fosse da minha família. Ajudou-me muito, deu-me imensos conselhos naquela fase, em que ele ainda estava integrado no plantel, embora pedindo para não jogar. No fundo, funcionava como um segundo treinador para mim e um ombro amigo sempre presente, foi como um pai para mim e estou-lhe muito grato para todo o sempre”, elogia, agradecendo ainda a ajuda que lhe foi prestada por nomes como Fernando Mendes, Carvalho, José Carlos e Pedro Gomes.
Para quem não o viu jogar, Carlos Pereira explica que tipo de futebolista era: “Defendia melhor do que atacava, mas naquela altura os laterais eram mais cautelosos. E seguia o exemplo do Hilário, que preferia jogar pelo seguro. Ele era o meu modelo e copiei a sua forma de jogar, com uma vantagem: eu era canhoto, enquanto ele era destro”.
E apesar de ser defesa, destacava-se pela correcção com que marcava os adversários. “Recebi o Cartão de Mérito Desportivo, que me dava entrada em todos os estádios do país, pois ao longo de 15 anos não recebi um único castigo disciplinar, devido a cartões amarelos ou vermelhos. E atenção que eu jogava muito de carrinho, só que sempre com lealdade”, salienta.
Por outro lado, garante que noitadas e excessos não eram com ele: “Fui um profissional que sempre se cuidou em casa, com muito treino invisível. E nunca cheguei atrasado a um treino”.
No final da carreira como futebolista, Carlos Pereira abraçou o cargo de treinador. “Eu era um jogador muito comunicativo e habituei-me a dar instruções aos meus companheiros. Isso, aliado a alguma capacidade de liderança, foi porventura o que me levou ao cargo de treinador. No Belenenses, tive uma lesão em 1982, numa época marcante, porque o clube desceu pela primeira vez de divisão. Nessa fase em que não podia jogar, a direcção entendeu que eu poderia ser o treinador, juntamente com o Nelo Vingada. Entusiasmado pelo Artur Jorge, que me dizia que eu poderia dar um bom técnico, lá me decidi a aceitar…”, conta.
Na formação «leonina», Carlos Pereira teve a oportunidade de orientar promessas que viriam a tornar-se grandes jogadores. “O Cristiano Ronaldo, por exemplo. E lembro-me de uma fantástica equipa de iniciados que foi campeã nacional só com vitórias, na qual pontificavam Figo, Peixe, Porfírio, Abel Xavier Andrade e Paulo Santos”, salienta, lembrando que também foi campeão nacional nos escalões de juvenis e juniores, com outras equipas.
Carlos Pereira salienta ainda o “excelente trabalho” realizado pelo seu irmão Aurélio Pereira, “o principal rosto deste sucesso” e por “muitos profissionais que trabalham na Academia, nomeadamente todos aqueles que têm a função de escolher os jogadores”.
Carlos Pereira fez parte da equipa técnica liderada por Paulo Bento, que entre 2005 e 2009 esteve ao serviço do nosso Clube, tempos que recorda com saudade. “Foram quatro anos positivos, terminámos sempre em segundo lugar e em dois deles discutimos o título nacional com o FC Porto até ao final. Ganhámos duas Taças de Portugal e duas Supertaças e chegámos a duas finais da Taça da Liga. E lembro que havia muito pouco dinheiro para fazer contratações, enquanto nos nossos cofres entraram elevadas quantias com a transferência de alguns jogadores”, enaltece.
Texto: André Cruz Martins
Foto: Melissa Duarte