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Um 'Monstro Sagrado' do Sporting

Por sporting
24 Fev, 2013

Hilário, recordista de jogos na equipa sénior do Sporting (627 no total), recorda episódios marcantes numa carreira ímpar.

Hilário da Conceição é um dos “Monstros Sagrados” da história do Sporting, sendo ainda hoje o futebolista com mais jogos realizados na equipa sénior do nosso Clube, 627 no total. Cresceu num bairro pobre de Lourenço Marques e foi lá que começou a jogar futebol, num clube fundado por ele próprio e alguns amigos. Chegou a Alvalade na temporada 1958/59, com 19 anos, e não conheceu outra camisola ao longo da carreira, cujo ponto alto foi a conquista da Taça dos Vencedores das Taças, em 1963/64. Curiosamente, esteve ausente do jogo da final, com o MTK Budapeste, pois lesionou-se com gravidade quatro dias antes, num jogo com o Vitória de Setúbal. Hilário não esconde o orgulho por ser o jogador com mais jogos disputados pelo Clube. “O Sporting existe há quase 107 anos… Não é para qualquer um, por isso é uma grande alegria estar na posse deste recorde”, antevendo que vai continuar a preservá-lo durante muitos anos. “Hoje em dia, os jogadores ficam dois, três anos no mesmo sítio… No meu tempo, os contratos eram vitalícios. Não direi que será impossível, mas vai ser muito difícil alguém bater o meu recorde”, sublinha. Na sua infância nas ruas de Lourenço Marques não faltavam as «peladinhas», de pés descalços e bolas feitas com meias, muitas vezes na companhia do seu amigo Eusébio, amizade que perdura nos dias de hoje. “O Arsenal, de Londres, foi uma das primeiras equipas estrangeiras que foi jogar a Moçambique. Foi uma grande surpresa e eu e os meus amigos decidimos fundar um clube com o mesmo nome. E assim aconteceu, criámos o Futebol Clube Arsenal, do qual fazia parte eu, o Eusébio, o Ricardo Chibanga [primeiro africano matador de touros em toda a história], entre outros”, recorda. Aos 14 anos, Hilário começou a competir a nível oficial, ao serviço do Atlético, clube do seu bairro. Seguiu-se o Sporting de Lourenço Marques e a chegada ao Sporting Clube de Portugal, em 1958. A verdade é que “pegou de estaca” em Alvalade. “Fui titular desde que cheguei. Aliás, durante toda a minha carreira, foram raros os jogos em que não pude actuar”, frisa, lamentando naturalmente a sua ausência na final da Taça dos Vencedores das Taças, em 1963/64. “Fiquei de rastos, claro… Imagine o que é fracturar a tíbia a quatro dias desse encontro! Lesionei-me num choque com o Zé Maria, o irmão do Conceição, lembro-me como se fosse hoje, tenho a imagem na minha cabeça. Nessa brilhante caminhada, só falhei esse jogo e os 16-1 ao Apoel”, diz. O resto da história é bem conhecida: o Sporting venceu o MTK Budapeste por 1-0, em Antuérpia, com golo de Morais, apontado de pontapé de canto directo. E no dia seguinte, quando a equipa regressou a Portugal, dirigiu-se de imediato a casa de Hilário, situada muito perto do Estádio José Alvalade. “Os meus companheiros, liderados pelo capitão Fernando Mendes, dedicaram-me a vitória, foi algo que me deixou muito sensibilizado. Saíram do aeroporto directos para a minha casa, acompanhados de uma enorme falange de adeptos. Eu estava com a perna esticada, quase nem me podia mexer, mas claro que foi uma alegria enorme ver os meus colegas ali. E depois tive de vir à janela, agradecer à multidão. Parecia o Papa ou o Presidente da República!”, afirma, bem-disposto, confessando que ainda hoje se arrepia quando recorda esses momentos: “Fico emocionado ao ver as imagens dessa vitória de 1964”. No caminho até à final de Antuérpia o Sporting eliminou o poderoso Manchester United, vencendo em Alvalade, por 5-0, depois de ter perdido por 4-1 em Old Trafford. Hilário diz que naquela noite mágica de Alvalade “tudo correu bem ao Sporting” e sublinha que “a juventude dos dias de hoje não faz a mínima ideia do que era aquele Manchester United, com o Bobby Charlton, o George Best, o Dennis Law e muitos outros”. De forma humilde, reconhece que “ninguém pensaria que seria possível ganhar aqueles ‘monstros’ mas a verdade é que aconteceu, numa noite em que o Osvaldo Silva esteve insuperável, ao marcar três golos”. Hilário foi colega de grandes jogadores do Sporting mas quando instado a responder quais foram os melhores, a resposta saiu pronta: “Travassos, Vasques, Dinis e Yazalde”. Naqueles tempos, os jogos com o Benfica faziam faísca. Hilário recorda-os com saudade, até porque não considerava os jogadores das outras equipas como adversários “mas sim como colegas que por acaso vestiam outras camisolas”. De resto, no final das partidas, os futebolistas dos dois grandes lisboetas iam muitas vezes lanchar e jantar juntos… Fernando Vaz foi o treinador que lhe deixou melhores recordações, explicando porquê. “Era um grande psicólogo, nunca vi ninguém que conseguisse falar tão bem com os jogadores. Um grande treinador!”, considera. Hilário fez parte da primeira Selecção Nacional A portuguesa que brilhou na fase final de uma grande competição, ao classificar-se em terceiro lugar no Campeonato do Mundo de 1986. Um grande feito, que surpreendeu tudo e todos. Esse Mundial correu muito bem a Hilário, que fez parte do onze ideal da competição. “Foi a minha coroa de glória. Estive entre os 11 melhores do mundo”, lembra, com orgulho, lembrando, de forma humilde, que apesar de ter construído uma brilhante carreira como defesa-esquerdo, não sabia chutar com o pé canhoto, considerando que a velocidade e a impulsão eram duas das suas principais qualidades. Hilário tem 73 anos, mas não parece e ao contrário de muitos outros antigos futebolistas, pouco engordou ao longo dos anos. Aqui fica o segredo, contado pelo próprio. “Corro todos os dias às sete da manhã, na Quinta das Conchas, durante uma hora e vinte. Ao todo, são 10 quilómetros todos os dias em corrida contínua”, diz. O resto do tempo é passado em convívio com os amigos, em cafés nas imediações do Estádio José Alvalade. E a seguir ao almoço, uma pequena sesta é sagrada. “Tenho uma vida descansada. Não me posso queixar”, confessa. Texto: André Cruz Martins Foto: César Santos