Francisco Salgado Zenha: "Vão ser tempos difíceis para o futebol"
23 Mar, 2020
Vice-presidente falou sobre a actualidade Leonina
Francisco Salgado Zenha, vice-presidente do Sporting Clube de Portugal com o pelouro da área financeira, deu uma entrevista ao jornal Record na qual que abordou diversos temas da actualidade Leonina, com especial incidência sobre a pandemia de COVID-19 que o país e o mundo atravessam.
Impacto causado pela COVID-19
“Estamos há duas semanas sem futebol, já há uma expectativa grande de estarmos mais tempo, mas a nossa perspectiva é a de que ainda vamos conseguir terminar a época e isso seria positivo para todos. Aliás, não sendo vidente nem podendo fazer previsões em relação a um evento que não é controlável nem é previsível, se estivermos mais um mês nesta situação, será inevitável que os sectores de actividade relacionados com o entretenimento, no qual o futebol está incluído, tenham de ser reactivados, nem que seja para entreter as pessoas que estão em casa. A minha expectativa é a de que o futebol possa ser um dos primeiros a recomeçar. Lentamente. Eventualmente com estádios à porta fechada, de uma forma gradual que garanta que os intervenientes estejam seguros e que não correm risco de contágio”.
Mercado mundial do futebol
“Tenho poucas dúvidas de que vai ser afectado. Aliás, as entidades responsáveis pela organização e regulação do futebol vão ter de intervir. Seja por via de criar estruturas de competição que sejam mais atractivas, do ponto de vista de receitas – isso até já estavam a fazer – mas, sobretudo, pela via de alterar algumas regras do jogo. Por exemplo, o mercado de transferências, este ano, só vai estar aberto até ao final de Agosto? Não é possível nem praticável que feche na mesma altura dos anos anteriores. Isto terá de ser revisto. (…) Por exemplo, esta é uma delas. Não restem dúvidas: vão ser tempos difíceis para o futebol”.
Recurso a fundo de reservas ou antecipação de receitas
“Se esta situação se estender pela próxima época, ninguém faz ideia das consequências. Serão seguramente dramáticas. (…) Se eu entro na época 2020/2021, em que não há jogos nem transmissões televisivas, com certeza que também não haverá financiamento dessas transmissões televisivas. O mercado vai estar fechado. (…) A dificuldade que existe é conseguir fazer-se o que quer que seja, designadamente financiamento. Isso é um problema para mim, para a economia global e também para o futebol. Até os grandes clubes europeus terão dificuldade em comprar jogadores, o que criará problemas aos clubes que são vendedores”.
Linhas de crédito criadas por parte do Governo
“O futebol não pode ser deixado de parte. (…) É um sector de actividade que (…) tem uma importância significativa para a economia nacional, representando 0,3% do PIB (…). Mas não é apenas isso. Estamos a falar de um sector de actividade que tem três jornais diários, que alimentam esta indústria e as pessoas em casa com notícias. Mais de 90% da população portuguesa tem interesse no futebol. Falamos de uma indústria que tem uma importância social brutal e que é fundamental para a felicidade das pessoas. (…) É óbvio que o futebol vai ter de ser tratado da mesma forma que outras indústrias importantes”.
Medidas a tomar para enfrentar a situação actual
“Nós, como todos os clubes, estamos em contenção, a fazer os possíveis para gerar o máximo de liquidez e vivermos o melhor possível uma situação que não sabemos quando será ultrapassada. No fim, teremos de tomar mais medidas – ou não –, em função do impacto económico. (…) Em termos de receitas, é quase impossível fazer mais porque está tudo parado. (…) Felizmente, tomámos a decisão certa e temos reduzido ‘gorduras’, desde há algum tempo, e reduzimos massa salarial. Temos feito um esforço e estamos mais preparados, mas vai ser muito difícil”.
Orçamento para a próxima época
“Não confirmo o valor (70 milhões de euros), até porque no futebol é subjectivo. Depende de que variáveis e rubricas querem lá colocar. De qualquer maneira – e não confirmando esse valor –, há uma coisa que eu garanto: face à situação gerada pela pandemia do coronavírus não será superior. Garantidamente. Tenho muitas dúvidas de que sairemos desta situação com igual ou maior capacidade do que tínhamos antes”.
Segunda fase da reestruturação financeira começaria agora
“Sim, [esta situação] atrasa tudo. (…) Não sabemos como é que o mercado vai reagir ou como vai interpretar o risco do futebol depois desta crise, quanto tempo, sequer, vai durar esta crise, que impactos é que vai ter. (…) Continuo a trabalhar diariamente e a avançar com tudo aquilo que tenho em mãos. Agora, também admito que há muitos dossiês que estão completamente parados”.
Contornos do negócio
“A grande maioria das empresas, para não dizer todas, vive de crédito. Nós não somos diferentes. O que temos de fazer é trabalhar com os parceiros financeiros que temos há muito tempo e com os quais temos uma boa relação. (…) Continuamos a trabalhar em alternativas, porque não podemos estar parados. Este foi o primeiro, em muitos anos, em que, com excepção das receitas inerentes à venda de jogadores, não fizemos mais nenhum financiamento, vivemos essencialmente de receitas orgânicas e da venda de jogadores. E isso reflecte-se na redução do passivo. Estamos a continuar a reduzi-lo”.