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Madjer: “Obrigado, Sporting Clube de Portugal”

Por Sporting CP
20 Fev, 2020

Em entrevista ao Jornal Sporting, o melhor de sempre do futebol de praia falou da carreira, despediu-se do Clube do coração e deixou uma mensagem forte, e sincera, aos que com ele partilham o amor pelo SCP

Já anunciou o adeus na Selecção Nacional há uns meses, mas agora fá-lo em termos de Clube também. É mesmo o final?
É mesmo o final e é um final ponderado. Não fazia muito sentido acabar na selecção e manter-me a jogar no Clube, até porque a última imagem é a que fica e a última é a de um Campeão do Mundo.

Porquê agora?
Para além de fisicamente já não estar a 100 por cento para acompanhar os “miúdos”, já me estava a preparar para terminar e queria terminar com um grande título. Por tudo isso, juntamente com a minha família, achámos que esta era a altura certa.

Mas não terminou só com o troféu de Campeão do Mundo, terminou também com a distinção de melhor de sempre...
Em tom de brincadeira digo aos meus colegas que até pode vir um melhor, mas que nunca será o melhor de sempre porque não há melhor do que o melhor de sempre (risos). É sempre gratificante sermos elogiados e reconhecidos, principalmente pela France Football que, enquanto criança, me lembro de ler e de ver lá os meus ídolos. A France Football ter-me atribuído esse título encheu-me de orgulho, claro.

"Temos de nos unir de uma vez por todas. Quando deixarmos de ser os nossos maiores inimigos e de arranjar problemas onde não existem, voltaremos a ser o Sporting Clube de Portugal que os Sportinguistas estão habituados a ver"

Qual a primeira palavra que lhe vem à cabeça quando pensa na sua carreira?
(Pensa)… teimosia!

Porquê?
Porque, para além do esforço, isto foi uma modalidade criada com base na teimosia. Era uma modalidade em que ninguém acreditava nem valorizava, diziam que era um grupo de amigos que ia conhecer praias porreiras e era tipo um passatempo, umas férias, mas ao fim de três anos provámos que não era assim e conseguimos mudar as mentalidades porque fomos Campeões do Mundo. Aí sim, em 2001, começaram a olhar para a modalidade de outra forma. Daí a teimosia, porque se nós tivéssemos desistido de imediato, se calhar não teríamos dado tanto a esta modalidade e ter-nos-íamos transformado nas pessoas que iam mesmo passar férias. Mas não, nós acreditámos desde o primeiro momento e conseguimos colocar a modalidade num patamar de exigência.

Nestes anos todos, quais foram os melhores e os piores momentos?
Os melhores, como não podia deixar de ser, são os títulos de Campeão do Mundo, mas todos foram especiais e, sobretudo, aqueles que conquistei pelo Sporting CP. Esses vou guardar para a eternidade porque foram os mais marcantes. Os piores são, naturalmente, quando falhámos os objectivos e as lesões que tive, claro. Qualquer atleta responde isso e eu não fujo à regra.

E de tantos títulos, quais tiveram maior significado os individuais ou os colectivos?
Os colectivos, sem dúvida nenhuma. Costumo frisar isto várias vezes: quem está em modalidades colectivas e pensa individualmente, normalmente não tem sucesso. Felizmente, nesta modalidade, conseguimos criar um espírito colectivo superior aos egos individuais e daí as conquistas que temos tido, não apenas em termos de clubes portugueses, mas de Selecção Nacional também.

Por pensar assim é que o Madjer também conquistou tantas distinções individuais?
Os títulos individuais vêm sempre por acréscimo, por isso, aquilo que digo sempre aos mais novos é que pensem sempre enquanto um todo. Podemos ter uma vitrina cheia de títulos individuais, mas aquilo que nos enche o ego são, de facto, os títulos colectivos.

Momentos, títulos… e quem foram as pessoas que mais o marcaram?
Várias. O Carlos Xavier, que me lançou para o mundo desconhecido do futebol de praia; o professor João Bernabé, que no final do meu primeiro torneio amador me convidou para integrar os trabalhos da selecção; os ex-jogadores com quem joguei – e que eram os embaixadores da modalidade –, que tiveram um papel muito importante no meu desenvolvimento, não só como atleta, mas também enquanto ser humano; e, aqui no Sporting CP, as pessoas que me ajudaram a enraizar a modalidade no Clube, assim como alguns treinadores que me ajudaram imenso.

"No Sporting Clube de Portugal não vesti só a camisola, também vesti o coração e, quando é assim, o sabor das derrotas e das vitórias também é diferente"

E nestes mais de 20 anos, quem foi, sem dúvida, a pessoa que esteve sempre lá?
(Sem hesitar) A minha mãe, a dona Ivone.

Porquê?
Porque me apoiou sempre, mesmo nos sonhos mais malucos que tive – e tenho – e este também foi maluco ao início porque era uma modalidade que ninguém conhecia. Quando cheguei a casa e lhe disse que queria jogar futebol de praia ela achou aquilo muito estranho, mas esteve sempre lá nos bons e nos maus momentos. Tive a carreira que tive graças a ela.

Tem três filhos – o Bernardo, a Kyara e a Eva –, mas foi, naturalmente, o mais velho que acompanhou mais tempo a sua carreira. Sente nos olhos dele o orgulho por ter o Madjer como pai?
Sinto. Inclusive, há cinco anos, quando ele tinha apenas 11, a FIFA fez um vídeo sobre a minha carreira e entrevistaram várias pessoas para me definirem numa palavra e a dele foi “orgulho”.
(…)
Os meus maiores títulos individuais/colectivos são eles. Quando os vejo a serem educados, através do desporto, e a terem o pai como exemplo, para mim é, sem dúvida, das minhas maiores conquistas.

Jogou em Itália, no Brasil, na Polónia, na Rússia, na Turquia e nos Emirados Árabes Unidos. Como foram essas experiências?
Foram todas fantásticas, mas cada uma com as suas particularidades. Em Itália foi onde tive a minha primeira experiência no estrangeiro, abriu-me as portas do mundo a nível de clubes; no Brasil joguei ao lado dos melhores, cresci e aprendi muito ao lado de craques de quem era fã; na Rússia tive a oportunidade de jogar num dos campeonatos mais fortes e foi lá, ao serviço do FK Lokomotiv, que conquistei a minha única Liga dos Campeões. Foram todas experiências incríveis que me deram muito, não só enquanto profissional, mas como pessoa. Criei laços que ainda hoje duram e me fazem ter as portas sempre abertas.

Mas, certamente, que houve um país que o marcou mais. Qual foi?
Sim, foi Itália por ter sido, como já disse, a primeira experiência no estrangeiro e por ter lá gente que considero família, a minha família italiana.

E qual a história mais caricata de todas? Aquela que vai recordar para sempre…
(risos) É aquela que conto sempre. Aconteceu na Rússia, foi engraçada e permitiu-me criar uma grande base de confiança que me fez jogar lá quatro anos.
(…)
uando fui jogar para o FK Lokomotiv ficou acordado que nos pagavam no final de cada etapa de três/quatro jogos e no final da primeira, o Igor, que ainda hoje é o presidente, deu-‑me o envelope e eu, para não estar a contar o dinheiro no estádio à frente de toda a gente, só o abri e contei o dinheiro no hotel. Contei uma dez vezes, no mínimo, e dava-me mais do que o acordado. Como viajava no dia a seguir para Portugal, entrei em contacto com o Igor e disse-lhe que precisava de falar com ele. Ele foi ao hotel ter comigo e eu disse-lhe “está aqui o envelope tal e qual como me o deste, mas aberto, só que contei e está aqui dinheiro a mais” e nesse momento ele, com aquele ar de máfia russa, deu-me uma chapada na cara e disse-me “bem-vindo à família do FK Lokomotiv, podes ficar com o dinheiro que está a mais” (risos). No fundo, aquilo foi uma prova à minha confiança e a atitude que tive permitiu-me jogar lá muito tempo.

"Eu vivo e sinto mesmo este Clube. Eu amo o Sporting Clube de Portugal. Ter tido a oportunidade de jogar aqui foi… inexplicável"

Felizmente, também jogou durante muito tempo no seu Clube do coração. Que significado teve para si representar o Sporting Clube de Portugal?
(Silêncio) Sempre fui profissional e dei o máximo em qualquer clube, mas no Sporting CP não vesti só a camisola, também vesti o coração e, quando é assim, o sabor das derrotas e das vitórias também é diferente. Completamente diferente. As derrotas deram-me noites sem dormir e as vitórias fazem-me festejar sempre que me lembro delas. É difícil explicar, é uma emoção indescritível.
(…)
Fui habituado com o meu pai a ir ao antigo Estádio José Alvalade e a fazer aquele programa familiar que passava por ir também à Nave, e isso marcou-me muito. Eu vivo e sinto mesmo este Clube. Eu amo o Sporting CP. Ter tido a oportunidade de jogar aqui foi… inexplicável.

A viver o Clube tão intensamente e desde pequenino, sonhava em representar o Sporting CP?
Sim, desde pequenino que tinha o desejo de ser jogador de futebol e de jogar no Sporting CP, mas ao mesmo tempo também achava que nunca iria acontecer. Ainda vim aos treinos de captação, salvo erro em infantis, e fui chamado, mas por causa da distância para o Estoril a minha mãe disse-me para ficar no GD Estoril Praia. Não foi possível nessa altura, nem como jogador de futebol, mas deu mais tarde e como jogador de futebol de praia… mesmo assim, a dona Ivone ainda hoje em dia se arrepende de não me ter deixado ficar (risos).

Na hora do adeus à modalidade, enquanto jogador, ficou alguma coisa por fazer?
Ficou o amargo de boca de não ter dado mais títulos ao Sporting CP. Vou carregar isso para sempre. Apesar de ter dado alguns e alguns deles importantes, queria ter dado todos aqueles em que participei.
(…)
Em termos de selecção o que me faltou foram os Jogos Olímpicos (JO), mas infelizmente a modalidade ainda não faz parte dos JO. Fomos aos JO europeus, mas não é a mesma coisa.

E ficou alguma coisa por dizer?
Não porque eu nunca deixo nada por dizer (risos).

Sendo assim, o que tem a dizer ao Sporting CP na hora do adeus?
Um “obrigado”. Termino a carreira e saio do Sporting CP enquanto jogador e pessoa da estrutura, mas este nunca será um adeus como adepto e amante deste Clube.

E aos Sportinguistas?
Aos Sportinguistas digo, sinceramente, que temos de nos unir de uma vez por todas. Quando deixarmos de ser os nossos maiores inimigos e de arranjar problemas onde não existem, voltaremos a ser o Sporting Clube de Portugal que os Sportinguistas estão habituados a ver. Se assim não for, se não blindarmos o Clube e não fizermos aquilo que melhor sabemos, que é apoiar os nossos atletas, será complicado e vamos continuar vários anos sem ganhar nada, pelo menos no futebol. Enquanto atleta, sei que o apoio é muito importante.

"Desde pequenino que tinha o desejo de ser jogador de futebol e de jogar no Sporting Clube de Portugal"

Para finalizar, o que vai ser agora do Madjer ex-jogador?
Em termos pessoais passa por estar mais perto dos meus filhos e da minha família, enquanto que em termos profissionais segue-se outro desafio, mas sempre com o Sporting CP diante dos meus olhos.

E a partir de agora, como é que o chamamos? Majder ou João Vítor?
(Risos) Acho que no mundo do desporto vou ser sempre conhecido como Madjer ou João Tavares Saraiva Madjer porque acham sempre que é o meu nome. Ora me tiram o Vítor ora o Tavares, e a dona Ivone fica muito chateada porque o Tavares é dela.

Obrigado, Madjer. A honra também foi nossa!