Jorge Jesus concedeu uma entrevista à UEFA e para além de falar de si como treinador, apontou o sonho de chegar a Lyon esta época
UEFA – Vamos começar por falar da sua ligação ao Sporting. Como é que tudo começou? Como é que esta ligação com o clube começou desde que era muito novo.
Jorge Jesus – Basicamente, comecei a minha carreira como jogador na formação do Sporting. Antes estava no clube de bairro da minha cidade, o Estrela da Amadora, e só depois de um jogo de juvenis é que o Sporting me contratou juntamente com outro atleta do Estrela, que é agora meu adjunto no Sporting, Miguel Quaresma. A minha aproximação ao Sporting foi como jogador, mas como toda a gente sabe o meu pai também foi jogador do Sporting.
Que influência teve a carreira do seu pai?
Tem de haver alguma influência, verdade? O meu pai era o meu maior fã. Se havia coisa que o meu pai queria para eu seguir os seus passos seria, tornar-me um jogador de futebol. Felizmente, Deus deu-me algum talento para isso.
E como foi ao longo desta caminhada? Foi treinado em Alvalade, foi sócio, jogador e, agora, é treinador. Como se sentiu no regresso?
Primeiro, sou um profissional do futebol. Futebol é a minha paixão, independentemente do clube onde possa estar. A minha carreira como treinador começou, como toda a gente sabe, em clubes da terceira divisão. Para chegar ao topo em Portugal precisei de subir vários degraus e a minha paixão, como treinador, não é maior ou menor mediante o sítio onde estou ou o clube onde esteja. Identifico-me com o que amo, que é o futebol, a minha profissão. Depois estão os clubes onde trabalho, o que não é o mais importante para mim. O importante é que trabalho e conseguir êxitos desportivos, rodeado pela minha equipa, que é o que eu tenho feito em Portugal, por isso é que agora estou num dos melhores clubes em Portugal.
Vamos agora falar um pouco do Sporting e da equipa deste ano. Como é que olha para a evolução do Sporting esta época?
É um pouco complicado porque se eu disser o que sinto, o que sei e o que era, vão pensar que me estou a promover quando falo desta valorização do Sporting. No entanto, isto é um facto. Em termos de troféus nacionais, onde incluo o título de campeão, este é o meu terceiro ano e ainda não o conquistámos. Ainda assim, é verdade que nos últimos dois anos, agora na terceira época, o Sporting aproximou-se mais dos seus dois rivais, o que é completamente diferente das seis épocas anteriores, quando ainda estava no Benfica. Hoje, não. O Sporting disputa cada competição em que está envolvido. Esta época ainda temos a possibilidade de ganhar todas as provas e já vencemos um trofeu, a Taça da Liga, que é o primeiro título da época em Portugal. Trabalho tem sido valirizado, não apenas pelos treinadores mas também pelos jogadores, que são a fonte de alimentação dos êxitos do Clube, mas também por toda a estrutura que tem sido criada e desenvolvida no Sporting para que o clube possa competir por títulos em Portugal, juntamente com o Benfica e o FC Porto.
O que precisa de ser melhorado?
Actualmente, os jogadores do Sporting têm mais qualidade, mais aptidões e, ao mesmo tempo, precisamos das condições financeiras certas para estes jogadores. O Sporting já tem. Tem criado riqueza desde que para cá viemos e isso permite-nos contratar jogadores que, de certa maneira, correspondem aos valores do clube. Posso mencionar por exemplo, Mathieu que veio do Barcelona, não é fácil para um jogador vir do Barcelona para o Sporting, certo? Há outros jogadores, como Fábio Coentrão. Ao longo destes dois anos os jogadores têm gerado bons resultados financeiros.
UEFA- Quais são os pontos fortes da equipa esta época?
Todas as equipas têm uns aspectos melhores do que outros. Creio que um dos pontos fortes desta equipa é que quando está fisicamente apta para poder corresponder às intensidade dos jogos, independentemente do nome do adversário, é uma equipa com uma organização defensiva muito forte, muito boa.
Qual a importância do Bas Dost?
Um jogador importante é sempre relevante. Bas Dost está a marcar mais golos pelo Sporting do que aquilo que conseguiu por outros clubes. Ele sempre foi um goleador, mas era um jogador que cresceu muito em termos técnicos. Já era um finalizador, é o ADN dele, mas era um jogador que, individualmente, precisava de mais valências para para ser mais completo como ponta-de-lança. Nestes dois anos tem adquirido isso e crescido muito com o nosso trabalho.
No que diz respeito a novos jogadores onde se inclui o Bruno Fernandes, que marcou no último jogo frente ao Astana, está surpreendido com o que alcançou até agora?
Não estou. Quem deve estar surpreendido são outras pessoas que podem estar ligadas a este fenómeno do futebol de contratar e descobrir novos jogadores. O Bruno estava em Itália, mas não jogava muito, ocasionalmente. Passou ao lado das equipas grandes e em Portugal também estava a acontecer. Tanto no FC Porto como no Benfica nunca lhes despertou esse interesse. Nós mostrámos e contratámo-lo, acreditámos que era um produto português com muito talento e vai ser um grande jogador. É jovem, mas nos próximos anos vai certamente sair para uma das grandes equipas europeias e seguramente viu dtrazer um grande retorno financeiro ao Sporting.
O Sporting é conhecido pela sua academia e pelos muitos jogadores que de lá saíram. Não é preciso dizer quais. O que sente quando vê jogadores que saem da academia como Gelson Martins e, mais recentemente, Rafael Leão, na equipa principal?
Um treinador só pode fazer apostas nos jovens se os houver com qualidade, caso contrário não se pode inventar. Felizmente, a Academia do Sporting, ao longo destes três anos podemos potencializar jogadores e não foi só Gelson. Talvez seja ele o mais sonante, mas o Daniel Podence, o próprio Rúben Semedo – que está com alguns problemas agora – também é um produto do Sporting e foi vendido ao Villarreal. O Rafael Leão, um menino de 18 anos, é um talento da Academia e ainda é júnior. Note-se que: três anos depois posso falar em quatro talentosos jogadores da Academia, apesar de normalmente só se esperar um desses talentos em três anos. Estou a falar de quatro jogadores após três anos. Talvez deixando o Rafael à parte, mas os outros quase sempre titulares do Sporting. Não tanto no caso do Daniel, apesar de ter alinhado algumas vezes de início, mas isso aconteceu sempre com o Rúben Semedo e o Gelson Martins. O Rafael Leão está a aparecer cada vez mais.
Falando desta época até agora, que aspecto positivo há a tirar da participação na Liga dos Campeões?
Coisas positivas, pelo menos para o Sporting. Espalhámos o nosso nome por todo o mundo. Jogar frente ao Real Madrid, Barcelona e Juventus, não é a mesma coisa que frente ao Astana ou até frente ao Olympiakos,porque quando estes monstros do futebol europeu jogam, são transmitidos para todo o mundo. Toda a gente ficou surpreendida com o nível do Sporting que, em Portugal, costumamos dizer: taco-a-taco. Mostra muita qualidade, não só individual como colectiva. Promove o Clube, os jogadores e isso fez com que se possam sentir mais confiantes para a Liga Europa.
O Sporting tem hipóteses de vencer a Liga Europa?
É uma prova em que queremos chegar o mais longe possível. São equipas que podiam estar na Liga dos Campeões ou a disputar a final da Liga Europa. Valorizou-se muito quando se tornou possível ao finalista vencedor entrar directamente na Champions. Estive nessas reuniões em Nyon, onde foi discutida essa possibilidade. Apresentei uma dessas propostas porque era fundamental que alguns treinadores desses importância à prova para que não preferissem estar na discussão dos campeonatos nacionais em vez de ligarem à Liga Europa. A partir daí, tudo mudou e hoje é uma competição que os técnicos reconhecem relevância.
Considera que houve falta de concentração na 2.º mão frente ao Astana?
Não, apanhámos uma equipa na 1.ª mão totalmente desconhecida, fizemos um excelente jogo em Astana e num clima complicado, em que praticamente só jogámos. Fizemos um treino de adaptação antes do jogo, mas chegámos quase na hora ao Cazaquistão e foi muito bom termos vencido o primeiro jogo porque libertou-nos, de certa forma, alguns jogadores para os podermos ter em condições para o campeonato nacional. O Astana é uma boa equipa, mas deu para controlar o jogo em Lisboa.
Qual é a sua opinião sobre o Viktoria Plzen?
São os crónicos vencedores do seu campeonato. Apesar de terem perdido no último jogo, levam 14 pontos de vantagem sobre o 2.º classificado. Normalmente, tem boas participações na Liga dos Campeões, embora este ano tenha sido eliminada e caído na Liga Europa. Tem alguma experiência de competições europeias e creio que esteja dividido em 50% de possibilidade de passar para cada equipa.
Que dificuldades crê que podem trazer ao Sporting?
É muito bem organizada defensivamente, uma equipa com um contra-golpe muito forte. Que é de valorizar é o facto de o Sporting estar nas frentes todas este ano e seguramente vai bater o recorde de mais jogos numa só época em Portugal. Igualar, pelo menos, vai acontecer. Fiz 57 jogos numa época no Benfica e, neste momento, com os jogos que faltam, vai completar os mesmos 57 jogos. Espero bem que se bata esse recorde porque é sinal que eliminamos os checos e passamos aos quartos-de-final.
Como descreve o seu estilo de treino?
Descrevo-me como um treinador criativo, não é só um treino científico. Claro que uma cola com a outra, mas sou um treinador que muito dos meus trabalhos e das ideias das minhas equipas – e principalmente o treino – é criado por mim. As várias marcações de defesa à zona, bola parada, que hoje se usam fui eu que lancei há 25 anos. Bloqueios fui eu que os trouxe do basquetebol para o futebol e hoje todos no Mundo o fazem. Tenho trazido coisas diferentes para o futebol, para além de ser um apaixonado e obcecado pela perfeição e vou até ao exaustão para ter uma equipa perfeita. Sei que posso não o conseguir a 100 por cento, mas atinjo níveis que são importantes para uma equipa.
É fundamental acreditar em si mesmo e nas suas capacidades?
Claro que sim. Faz parte do meu ADN. Estou plenamente convencido do que faço e se houver erro, será sempre pela minha cabeça e não por outros. Sempre tive esta característica ao longo da minha carreira e não é agora que vou mudar. No que gosto de me diferenciar é que sou eu que crio as minhas ideias, em termos de metodologia de treino.
Quais são os seus objectivos no Sporting CP, a curto e longo prazo?
São os mesmos desde que cheguei no primeiro dia: tentar que o Clube esteja mais próximos dos seus rivais, os eternos conquistadores dos títulos em Portugal. Tentar que possa intrometer-se entre os dois, que foi feito ao longo destes dois anos. No primeiro ano, disputámos o campeonato até à última jornada, até ao último segundo. Somámos 86 pontos, que era o recorde de uma equipa nacional, mas o Benfica fez 88. No primeiro ano conquistámos a Supertaça, este ano já vencemos a Taça da Liga e continuamos na luta pela Taça de Portugal, pelo campeonato e estamos na luta pela final da Liga Europa. Para mim, é uma demonstração do crescimento do Sporting. Para lá chegar, foi preciso conquistar muitas outras coisas.
Vencer a Liga Europa terá um sabor especial?
Claro que sim. É muito difícil, não apenas pelo valor das equipas mas, normalmente, quem chega à final são as equipas que não estão a lutar pelo título no seu país. É complicado conciliar estas duas situações e eu tenho essa experiência. É um sonho voltar a uma final da Liga Europa e este ano tenho muita esperança