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Dos jogos à sombra dos eucaliptos à ginástica sueca

Por Jornal Sporting
21 Nov, 2015

Infância e adolescência de Peyroteo em Humpata, Moçâmedes, Sá da Bandeira, Nova Lisboa, Luanda... até à Metrópole

Por trás de um grande homem costuma estar sempre uma grande mulher que, no caso de Fernando Peyroteo, foi também a mãe, Maria da Conceição. E um professor de ginástica, acrescente-se. Pode parecer estranho, despropositado, mas a verdade é que as duas maiores influências na infância e adolescência do avançado entroncaram na família e no mestre Ângelo de Mendonça, perspicaz farol que apontou a luz em termos físicos para o homem se transformar em máquina à frente das balizas apesar de nem tudo terem sido rosas no seu início de vida.

Nascido a 10 de Março de 1918 em Humpara, no distrito de Huíla, Fernando foi o penúltimo filho de uma família com 12 (!) crianças, as primeiras três do primeiro casamento de José de Vasconcelos Peyroteo, que saiu da metrópole para assumir um cargo superior no estudo e traçado de caminhos de ferro. Todavia, a saúde pregou-lhe uma partida, daquelas que marcam todos à sua volta: já em Moçâmedes, foi vítima de uma violenta crise cardíaca. E a mãe, com 12 filhos para sustentar e apenas dois a trabalhar (que mal ganhavam para si), decidiu ser superior aos mais superiores e, entre as aulas como professora oficial, deu ainda lições particulares, aguentando a família como um exemplo que marcou o dianteiro para a vida.

Foi à sombra dos eucaliptos onde tantos descansam que Peyroteo começou a jogar futebol, tendo desde logo como primeira paixão os troncos irregulares que faziam de baliza e onde apontava tantas vezes com sucesso as bolas de trapo, de borracha e, quando havia dinheiro entre o grupo de crianças, as que tinham o peso das de futebol. Era a sua grande perdição – e tinha seis irmãos que também jogavam –, apesar de praticar os mais variados desportos (inclusive com melhores condições a nível de professores e infra-estruturas do que o próprio futebol) como ginástica, natação, remo, ténis, equitação e atletismo. Foi nesse período de escola que Ângelo de Mendonça, descrito como um dos maiores ginastas voadores que também fazia paralelas, barra fixa e argolas, foi ter consigo e explicou-lhe que, se quisesse ser jogador de futebol, teria de começar pela preparação física. Fernando ouviu e deixou--se ir: durante dois anos, fez ginástica sueca (passou depois para os aparelhos), deixou o futebol mais ‘a sério’, nadava e jogava basquetebol. Se já era um predestinado, conseguiu assim potenciar ao máximo aquilo que Deus lhe tinha dado, sempre com uma enorme verticalidade, humildade e correcção. Foi dessa forma que, mais tarde, quando o irmão Mário lhe pediu para voltar para o Sporting de Moçamedes, respondeu da seguinte forma: “Se é uma ordem, obedeço-te; se for um pedido, recuso-me”. E não foi mesmo, ficando no Atlético – tempos antes, um responsável do clube tinha pedido que saísse da sala onde estava a ver os mais velhos a jogar bilhar por causa do diferendo com os seus irmãos mais velhos. “Hoje o senhor manda-me embora mas lá virá o tempo em que pedirá para voltar”, tinha exclamado em lágrimas na altura. “E chegará a hora de lhe dizer que não volto. Hoje sou garoto, mas vou ser homem”, disparou antes de sair da sala. Tinha razão. E não voltou.

Após um convite do Sporting de Lourenço Marques recusado por ser muito novo para ficar sozinho, Peyroteo rumou a Sá da Bandeira, onde o irmão Álvaro era gerente do Banco de Angola da localidade (em paralelo tinha fundado o Desportivo da Huíla). Foi ali que passou a jogar no Académico, a equipa do Liceu Diogo Cão. E foi ali que defrontou... o irmão: depois de ter atingido Álvaro no nariz, que ficou a sangrar, levou nas orelhas quando chegou a casa da... cunhada ‘Mariazinha’. Foi também nesta altura que passou pela equipa de esgrima, antes de rumar a Nova Lisboa, onde estivera antes, pasme-se, com uma companhia de artistas amadores de teatro na revista ‘Vidairada’ (além de três ou quatro números, ainda acompanhou uma jovem fadista à viola). Quando se preparava para assentar arraiais por lá, o amigo Norberto fez-lhe chegar uma proposta melhor em Luanda, como escriturário na Repartição de Contabilidade da Fazenda Pública, e passou então a envergar a camisola do Sporting de Luanda, que se transformou no ‘melhor do Mundo’.

Em Abril de 1936, a mãe fez-lhe chegar uma carta onde dava conta da viagem que teria de fazer até à Metrópole por imposição dos médicos. Após um beberete de despedida na sede do Sporting local, Fernando recebeu 1.500 angolares para despesas de viagem e um breve conselho – que, sem qualquer tipo de compromisso, fosse visitar as instalações do Sporting Clube de Portugal. Logo ele que pensava ir oferecer os seus préstimos à Académica, por se tratar da cidade dos estudantes. A história, essa seria bem diferente. E começou na viagem no ‘Niassa’, que chegou à barra de Lisboa a 26 de Junho de 1937 para uma aventura que viria a fazer história no futebol.