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Todos somos Maradona

Por Miguel Braga*
03 Dez, 2020

Sou de uma geração que não viu Pelé a jogar, mas teve a sorte de acompanhar Maradona e, mais tarde, Messi e Ronaldo. Pelo meio, ficaram centenas de pequenos génios, de jogadores de eleição. Mas Maradona era outra coisa

Se é verdade que o muro de Berlim caiu em 1989, esse também foi o ano em que Deus veio a Portugal para jogar contra o Sporting Clube de Portugal. Diego Armando Maradona chegou, foi visto e não venceu, deixando tudo em aberto para o jogo da segunda mão, no mítico San Paolo. A 27 de Setembro desse mesmo ano, tinha então 15 anos, tive de me recorrer da cumplicidade de um ou outro amigo para conseguir escapar aos deveres escolares impostos: o Sporting CP jogava a eliminatória com o todo poderoso SSC Napoli, que na época anterior tinha vencido a Taça UEFA (e que nesse ano voltaria a consagrar-se campeão de Itália).

Além de El Pibe, a equipa napolitana contava com um leque de jogadores que eram presença assídua em Mundiais e Europeus – apesar de termos uma nova geração de portugueses habituados a essas andanças da selecção nacional, nos anos 80 do século passado nem sempre íamos a estas fases da competição e apenas uma vez o fizemos com brilho. Entre as estrelas da formação italiana estavam nomes como os italianos Ciro Ferrara e Andrea Carnevale ou os brasileiros Alemão e Careca. Do lado do Sporting CP também tínhamos as nossas armas: Tomislav Ivković, Luizinho, Pedro Venâncio, Oceano, Carlos Manuel, Marlon Brandão ou Fernando Gomes.

Lembro-me que éramos vários jovens Leões dispostos a berrar pela equipa a mais de 2700 quilómetros de distância e que não foi pela falta do nosso apoio que a fortuna do futebol não esteve do nosso lado – ficou teimosamente do lado do então Deus na terra. Depois de 120 minutos de futebol, resultado novamente a zeros e decisão através dos pontapés da marca de penálti. Os primeiros encontraram defesa nas mãos dos guarda-redes, os segundos repousaram nas redes e na terceira ronda o SSC Napoli passou para a frente depois de Marlon atirar ao poste. Marcaram ambos os jogadores na quarta e na quinta e última ronda, Maradona avançou com a confiança que o caracterizava para a área. A conversa que se passou a seguir será uma das mais famosas entre jogadores, com o nosso Ivković a fazer uma aposta de 100 dólares com o astro argentino de como iria defender o remate. E assim foi: naqueles dias, defender um penálti de Maradona era mais ou menos a mesma coisa que entrar num ringue de boxe e sobreviver a Mike Tyson ou correr mais rápido que Carl Lewis sem ajuda de esteróides – a primeira derrota de Tyson aconteceu em Fevereiro de 1990, às mãos de James “Buster” Douglas; Ben Johnson fez história ao bater Lewis e os recordes mundiais dos 100 metros, em 1987 e 1988, mas acusou positivo no doping nos Jogos Olímpicos de Seul e caiu em desgraça.

De regresso a San Paolo, Ivković defendeu e Carlos Manuel empatou o jogo, seguindo-se o “quem falha perde” no desempate por grandes penalidades. Ciro Ferrara fez a sua parte e Fernando Gomes rematou colocado e violentamente… à barra. Estava desfeito o sonho, estava também desfeito Ivković que saiu do relvado lavado em lágrimas, conhecia o seu final a esperança verde e branca da glória europeia, aos pés daquele que foi considerado por muitos o mais genial jogador de futebol de todos os tempos.

Sou de uma geração que não viu Pelé a jogar, mas teve a sorte de acompanhar Maradona e, mais tarde, Messi e Ronaldo. Pelo meio, ficaram centenas de pequenos génios, de jogadores de eleição. Mas Maradona era outra coisa. Era Deus na terra com uma bola nos pés – e, se fosse preciso, na mão.

 

* Responsável de Comunicação Sporting Clube de Portugal