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Leão de gema

Por Miguel Braga *
31 Mar, 2020

(...) Porque essa também é a missão de um jornal, transportar a alma de cada Sportinguista entre as gerações

O Sporting Clube de Portugal acompanha-me desde as primeiras memórias. Lembro-me bem de estar no chão de casa dos meus pais, a folhear um jornal dedicado em exclusivo às histórias, aos feitos, aos golos, aos heróis, à dimensão do meu Clube.

Recordei, por isso também, tardes passadas no antigo estádio de Alvalade, sentado nas cadeiras de madeira do camarote vitalício que o meu pai tinha juntamente com cinco amigos, cada um mais Sportinguista que o outro – só o conceito de vitalício é, por si, forte para uma criança. Mas ali, era isso e era muito mais.

Foi nessas tardes que tive o prazer de conhecer os vizinhos do camarote do lado. Estava lá sempre um senhor – “andámos juntos na tropa”, explicava-me primeiro o meu pai, confirmava-me sempre o próprio –, que tinha a calma e a paciência de nos aturar, e que segredava e apontava para o campo, discorrendo sobre o talento daqueles que estavam no relvado. E toda a gente o ouvia com atenção. Nessas tardes, diga-se, os jogos dos seniores eram os últimos: jogavam primeiros os escalões da formação, o estádio ia enchendo devagarinho, e aquele senhor que partilhou dias e noites de histórias no quartel da Trafaria com o meu pai, estava lá sempre, simpático, afável e conhecedor. Esse senhor era Aurélio Pereira. Também lá estava sempre o João Barnabé e um outro senhor, de quem lamentavelmente não me recordo o nome, mas que tinha a particularidade de dizer antes dos jogos “olha-me este, a mim nunca me enganou”, sempre que entrava a equipa de arbitragem.

Nessas tardes, aqueles camarotes, que tinham sido desenhados para seis pessoas, em dias de jogos grandes ultrapassavam em larga medida a sua capacidade máxima. Cada amigo tinha filhos – nós, por exemplo, éramos dois –, “os mais velhos” tinham, por sua vez, amigos, mas a capacidade de albergar “só mais um”, era de facto extraordinária e marca de um simbolismo de união entre leões. Não é exagero de memória afirmar que dias de clássico ou dérbi, representavam lotações de dezoito e vinte pessoas, às vezes mais. Cada golo, como se imagina, era uma aventura.

No meio de tanta recordação, a memória do Jornal Sporting é das antigas. De uma altura em que era presença obrigatória lá em casa, quando havia jornais que chegavam durante a tarde, como A Capital, anterior às minhas primeiras idas ao estádio José de Alvalade nos inícios da década de 80. Só assim se explica porque ainda achei que vi o Yazalde jogar durante uns tempos. Via as imagens no Jornal e ouvia histórias dos mais velhos, sobre o Bota de Ouro Europeu, o “Chirola”, aquela máquina argentina de fazer golos e, por causa disso, perdi uma vez uma aposta que não me vou esquecer. Porque essa também é a missão de um jornal, transportar a alma de cada Sportinguista entre as gerações.

 

* Responsável de Comunicação Sporting Clube de Portugal